Duas ideias estoicas salvaram o meu dia

Por Daniel Mamede *

Duas ideias

Premeditatio Malorum e Amor Fati

A cada dia que passa, mais percebo o valor de entender e aceitar as coisas como elas são. E só então pensar como ajustar as minhas expectativas à realidade em vez de ficar frustrado porque a realidade não está alinhada com as expectativas que eu havia criado.

Hoje acordei cedo para ir para Guelph (Guelph Olympic), prova de triathlon. Para começar dando tudo errado, estava preocupado com o meu filho Dani, que tinha saído para uma festa. Só consegui dormir depois que ele chegou, às 2h30 da madrugada.

Às 5h45 (depois de 3h15 de sono), o despertador toca. Hora de levantar. Já acordo sem disposição (vontade enorme de ficar debaixo do lençol e não ir fazer a prova). Levanto, tomo banho (termino com água fria), boto a bicicleta no carro, junto as tralhas do triathlon e saio pra Guelph que fica à uma hora de casa.

Penso nas palavras de Marco Aurélio:

De manhã, quando te levantas a contragosto, tem em mente este pensamento: estou me levantando para cumprir o trabalho de um ser humano. Por que então estou insatisfeito se vou realizar as tarefas para as quais existo e pelas quais fui trazido ao mundo? Ou fui feito para isso, para me deitar entre as cobertas e me manter aquecido?

Meditações, V, 1

Muita gente na largada da natação. Eu quis me afastar da muvuca e saí acelerado demais. Obviamente, depois de alguns minutos nadando em um ritmo anormal, canso e começo a ficar sem fôlego. Não consigo mais continuar. Passa pela minha cabeça que poderia ser pela noite mal dormida e eu nem deveria ter ido competir…

“E se eu passar mal aqui no meio do lago? E se eu tiver um treco?”

Consegui controlar a ansiedade, nadei peito, nadei costas, até recuperar o fôlego. Ficando para trás, mas com calma, consegui nadar até o final em um ritmo razoável. Na transição da natação para bicicleta, tive muitas câimbras. Para conseguir tirar a roupa de neoprene e calçar as meias e as sapatilhas, foi uma câimbra atrás da outra. Resultado: transição de 12min…

Na bicicleta, vi que a marcha da coroa grande não estava passando. Então, pedalei por alguns quilômetros na marcha pequena tentando fazer a grande encaixar. Para completar, pela primeira vez na vida, eu simplesmente perdi uma curva e, então, faço 1.5km sozinho até um outro ciclista (que não estava na prova) dizer que eu estava fora do percurso, que era pra ter pegado à esquerda em um cruzamento anterior. Como vi que estava tudo dando errado mesmo, parei, desci da bike, coloquei a bicicleta de cabeça para baixo e ajustei a corrente na marcha grande. Agora era só terminar a prova sem mudar mais a marcha. E encarar as subidas na marcha pesada como se fosse um treino de força!

Essa hora pensei: “hoje não é meu dia. Tá tudo dando errado!” Aí pensei, “perái, tudo, não. Um pneu furado é muito pior. Aliás, um acidente é ainda pior que um pneu furado”. Mas mesmo assim “quase tudo que podia dar errado, estava dando.”

Então pensei que não era o fim do mundo, que mesmo os 3km a mais que eu estava fazendo era uma coisa boa, porque essa prova de hoje era mesmo para ser um treino para o meio Iron de Mont-Tremblant. A marcha pesada também poderia ser encarada como uma forma de treinar mais forte.

Assimilei o Premeditatio Malorum e o Amor Fati até o fim da prova e aí foi só diversão.

Quanto a mim, nada sofro, a menos que pense que o que aconteceu é um mal. E cabe a mim não pensar assim.

Marco Aurélio, Meditações, VII, 14

Daniel Mamede entrou em contato com o Estoicismo em 2020 e desde 2022 faz parte da Nova Stoa. É casado, pai de três filhos e mora em Toronto, Canadá, desde 2015. Praticante de corridas de rua há 15 anos e de triathlon desde 2019. Ele busca na filosofia estoica conhecimentos para enfrentar os desafios tanto na vida profissional como nas competições esportivas que participa.

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