Sobre temer o próprio medo

“A sabedoria nos ensina que nossos primeiros impulsos podem nem sempre ser verdadeiros, e que nossos apetites nos desviarão do caminho se não treinarmos a razão para separar as necessidades vãs das verdadeiras. Ela nos diz para controlarmos nossa imaginação ou ela distorcerá a realidade e transformará montanhas em montinhos e sapos em princesas. Ela nos diz para contermos nossos medos, de modo que possamos ter medo do que nos machucará, mas não gastemos nossas energias fugindo de sombras na parede. Ela nos diz que não deveríamos temer a morte, e que tudo o que temos a temer é o próprio medo”, escreve Alain de Botton na conclusão do seu livro “Ensaio de Amor”.

O medo é inerente ao ser humano? E se sim, como lidar com o medo? Há o medo que nos preserva, nos faz ter precaução e nos protege de tomar medidas extremas. E há o medo que nos paralisa, que cria histórias na nossa mente. Enfrentar o medo é um dos temas recorrentes dos estoicos. Tanto que um de seus valores essenciais é a “coragem”. Mas coragem não é ausência de medo, é a racionalização do mesmo, o seu enfrentamento.

Na carta 24 de Sêneca, “Sobre o desprezo da morte”, o filósofo responde a Lucílio sobre o medo.

“Esse medo é considerado o representante de todos os medos, e Sêneca dedica a maior parte de sua carta ao maior medo de todos – o medo da morte”, como é colocado na nota de rodapé da carta na edição “The Tao of Seneca”.

Na carta, Sêneca afirma:

“lembre-se, no entanto, antes de tudo, de despir as coisas de tudo o que perturba e confunde, e ver o que cada uma é no fundo; então você compreenderá que elas não contêm nada temível, com exceção do medo em si”.

Nas histórias mágicas de Harry Potter, o bicho-papão assume a forma do que é mais temido por seu adversário. O professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, Remo Lupin, quando conversa sobre Harry sobre o que o bicho-papão se transformaria para ele, acaba com a seguinte conclusão:

“Isto sugere que o que você mais teme é o medo. Muito sensato, Harry”.

Retire as camadas do medo. Exclua as histórias inventadas em sua cabeça, compreenda, assim, que restará muito pouco a temer.

próprio medo

Referência:

Cartas de um estoico, Volume I, de Sêneca – “Sobre o desprezo da morte”, Carta 24

Ensaios de amor, de Alain de Botton

Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban

The Tao of Seneca

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