“Senão chega a morte ou coisa parecida” – Belchior

“Ei, moço!
E eu inda sou bem moço pra tanta tristeza
Deixemos de coisas, cuidemos da vida
Senão chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço sem ter visto a vida”

A descoberta quase acidental do estoicismo pelos Irmãos Estoicos  veio na vida adulta. E com ela veio o tema da meditação sobre a morte.  Talvez não tanto por acidente, já que a maturidade e a experiência nos levam invariavelmente ao encontro com a morte de pessoas próximas, bem como de ídolos na arte (Renato Russo, Cazuza, Freddie Mercury, para mencionar alguns falecidos na década de 1990, e mais recentemente o autor da letra acima, Belchior, em 2017).

Meu contato pessoal com a morte faz parte também do aprendizado e prática de médico patologista, que encontra na autópsia a fragilidade do corpo e a decadência mórbida causada pelas doenças. Agora em 2020 e para todos nós, a pandemia joga na nossa cara as notícias e o número diário de mortes por uma doença nova.

Memento Mori

O estoicismo não prega a meditação da morte simplesmente como algo mórbido e fúnebre. Se você conseguir se distanciar um pouco, pode entender que a prática é, na verdade, algo vivo e sincero. Ela remete ao que é atual e ao que está no presente, sejam seus desejos, seus sonhos, seus amigos, seus parentes. Ao convencer-se da proximidade da morte e repetir para si Memento Mori (lembre-se que você vai morrer), você valoriza o dia que se apresenta, seu corpo, o sorriso dos seus filhos, sua mente fruto de milhões de anos de evolução, a capacidade de construção e A beleza dos animais e da natureza.

Sêneca preocupava-se muito com o tema, e escreve para Lucílio:

“A maioria dos homens vai e volta de forma sofrida entre o medo da morte e as dificuldades da vida; eles não estão dispostos a viver e, no entanto, não sabem como morrer” -Cartas a Lucílio, 4. 5.

Pessoalmente não estou pronto para morrer, e certamente não sei como estarei. Mas o estoicismo me ajuda diariamente a praticar a filosofia e tentar ficar 1% melhor. Já estive doente, não morri. Não estou mais doente, mas posso morrer hoje ou amanhã, assim também como podem partir alguém próximo ou um autor preferido.

Sêneca ainda fala que não escolhemos como viemos ao mundo, mas podemos escolher como morrer, de forma digna, com coragem e vivendo cada dia com temperança, e buscando a sabedoria e lutando pela justiça.

“Cada um guarda mais o seu segredo
A sua mão fechada, a sua boca aberta
O seu peito deserto, sua mão parada
Lacrada e selada
E molhada de medo…”

Belchior, Na hora do Almoço

Memento Mori

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