É sempre bom lembrar | Que um copo vazio | Está cheio de ar – Chico Buarque

Deparei-me recentemente com a música Copo Vazio do Chico Buarque, interpretada por ele e por Gil.

É sempre bom lembrar

Que um copo vazio

Está cheio de ar

É sempre bom lembrar

Que o ar sombrio de um rosto

Está cheio de um ar vazio

Vazio daquilo que no ar do copo

Ocupa um lugar”

Chico Buarque

Geralmente se caracteriza um otimista aquele que vê o copo meio cheio, e o pessimista o copo meio vazio. E onde entra o Estoicismo nessa comparação? O Estoico pratica o estar no presente e aprecia o copo e o seu conteúdo. Para ele não importa se o copo está cheio ou vazio. Segundo William B Irvine:

“Para um estoico… ele passará a expressar seu prazer em ter um copo: afinal, ele poderia ter sido quebrado ou roubado. E se ele está afiado com a filosofia estoica, ele poderia continuar a comentar sobre como os recipientes de vidro são maravilhosos: eles são baratos e razoavelmente duráveis, não conferem nenhum sabor ao que colocamos neles e – milagre dos milagres! – permite-nos ver o que eles contêm” .

William B. Irvine

A letra genial de Chico Buarque continua adiante: “Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho, Que o vinho busca ocupar o lugar da dor, Que a dor ocupa a metade da verdade, A verdadeira natureza interior“.

As redes sociais tentam nos obrigar diariamente a praticar alegria perpétua, o que não é natural. A filosofia nos ensina, entretanto, a praticar a visualização negativa (premeditatio malorum). Pense no ponto que os estoicos tentavam construir: uma vida na qual refletimos sobre as coisas ruins que podem vir a acontecer nos obriga a valorizar o que temos agora. Nada é garantido, assim apreciamos que qualquer coisa pode ser tirada de nós a qualquer minuto (nada mais atual ao viver essa pandemia).

Ao entrar semanalmente em um hospital de poucos recursos, que atende pacientes graves, vítimas tanto de COVID quanto de câncer de pulmão, e algumas vezes as duas doenças simultâneas, o foco não é no negativo, mas em poder ajudar no que é possível, em orientar os familiares sobre a verdade e a ciência, em estar vivo e saudável, em dar diagnósticos corretos e rápidos, em ter toda a família com saúde e bem estar físico e mental.

Então não importa como o copo está, nem até o que ele contém. O foco deve ser no querer o que já se tem.

“Uma metade cheia, uma metade vazia.

Uma metade tristeza, uma metade alegria.

A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.

A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.”

Chico Buarque

Referência:

A Guide to the Good Life: The Ancient Art of Stoic Joy, William Irvine

4 Replies to “É sempre bom lembrar | Que um copo vazio | Está cheio de ar – Chico Buarque”

  1. Obrigado por compartilhar este pensamento e também este momento maravilhoso com Gil e Chico. Havia passado algumas vezes pelo termo estóico mas não sabia realmente o que era. Agora me sinto instigado a conhecer mais.

  2. Legal a reflexão! Parabéns! Só uma observação de que essa música é uma composição apenas de Gilberto Gil e que chico gravou em 1974 no album sinal fechado (ainda na ditadura). Então ela transcende as coisas sutis, mas tem forte ligação com a repressão e o contexto que eles viviam! Mas parabéns pela reflexão! Acho que na arte, o que enriquece ainda mais é o poder infinito da interpretação! Show de bola

  3. Copo Vazio é uma música do Gilberto Gil que o Chico Buarque gravou para o álbum “Sinal Fechado” de 1974, um disco no qual ele só utilizou músicas de outros autores para dar um respiro da vigilância da censura que tinha retalhado seu disco anterior “Ensaio Gersl” que trazia as músicas da peça “Calabar – o elogio à traição”. Mesmo assim, não resistiu e gravou um samba proprio sob o pseudônimo de Julinho da Adelaide – “Acorda Amor”.

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