Sobre o remorso
Um amigo perguntou sobre remorso no Estoicismo. Algo que nunca tinha parado para pensar dentro dessa filosofia. Então, fui buscar trechos e ensinamentos a respeito. O professor Massimo Pigliucci fala que o Estoicismo é uma filosofia do perdão e do autoperdão, pois foca no presente, e foi esse meu ponto de partida.
Sêneca quase sempre consegue nos salvar de qualquer dúvida, e encontrei em diversas de suas cartas passagens inteligentes sobre o assunto. Ele inclusive traz numerosos questionamentos a si mesmo no livro Sobre a Brevidade da Vida:
“Busque na memória e considere quando você já teve um plano traçado; quantos dias transcorreram como planejado? Quantos dias estavam à sua disposição? Quando você manteve uma boa aparência, o espírito tranquilo? Quando sua mente esteve imperturbável, e que trabalho você realizou em uma vida tão longa? Quantos dias foram desperdiçados quando você não estava ciente do que estava perdendo? Quantos dias foram tomados em tristeza inútil, em alegria tola, em desejo ganancioso, conversas inúteis, e quão pouco do que era seu, foi deixado para você? Você perceberá que está morrendo antes do tempo!”
Refletindo nos erros que cometeu, em escolhas tomadas e em prioridades definidas em um momento ou outro da vida, o objetivo desse exercício para o estoico não é se martirizar pelo que passou. Remorso é inútil, pois o passado não pode ser mudado. Mas aprender com erros leva a traçar novas prioridades, e relevar o que for trivial.
Se remorso traz raiva e comiseração, o próprio Sêneca escreveu um livro todo sobre raiva, e ele defende que mesmo quando a raiva nasce de algo justo, ela mais provavelmente nos guia para ações irracionais que podem nos causar remorso e arrependimento.
“A raiva [é] uma loucura breve: pois é igualmente desprovida de autocontrole, independente do decoro, esquecida do parentesco, obstinadamente absorvida no que quer que comece a fazer, surda da razão e do conselho, excitada por causas insignificantes, desajeitada ao perceber o que é verdadeiro e justo, e muito parecida com uma pedra que cai que se despedaça sobre a própria coisa que esmaga. Para entender como aqueles que tem raiva não são sensatos, olhe para a aparência deles” (Sêneca, Sobre a Ira)
Na Carta 27, ele fala de prazeres que também podem ser tão curtos quanto a raiva, e que podem causar arrependimentos desnecessários.
“Assim como os crimes, mesmo que não tenham sido detectados ao serem cometidos, não permitem que a ansiedade acabe com eles, da mesma forma são os prazeres mundanos: o arrependimento permanece mesmo depois que os prazeres terminaram”.
Por fim, na Carta 78, ele resume muito bem o que acha de remoer algo passado, o que é inútil, pois só traz ao presente mais uma dose de infelicidade.
“Qual é o benefício em rever os sofrimentos passados e em ser infeliz, apenas porque você já foi infeliz um dia?”.
Muito bom Flávio ! Parabéns pela página, forte abraço !