Sempre surfista

Sempre surfista

No artigo O segredo dos surfistas para felicidade, a autora falecida Ellis Avery fala que quando foi morar em frente a uma famosa praia de surf na Austrália, Bondi Beach, surpreendeu-se com a atitude dos surfistas antes, durante e após o surf. Parecia não interessar a quantidade de manobras, e mesmo o tempo que ficavam em pé durante uma sessão. A atitude de surfista englobava todos os aspectos da vida, com uma calma inebriante de trazer inveja.

Ela escreve (tradução livre):

“Se você somar os poucos segundos que um bom surfista realmente gasta nas ondas, isso equivaleria apenas à pequena fração de uma vida inteira. No entanto, os surfistas são surfistas o tempo todo. Eles são surfistas enquanto estão trabalhando em suas tarefas, sonhando com surf. Eles são surfistas quando acordam às 4 da manhã”.

Eu me defino surfista, mesmo sem praticar o esporte há meses. Quando me perguntam que esporte eu pratico, falo dos outros: corrida, triathlon, futebol, Crossfit, dependendo da época da vida, e esqueço o surf. Talvez a prática transcenda o estímulo físico, e voltando ao texto da autora, concordo que ficamos muito mais tempo parados sentados em cima da prancha, ou remando contra as ondas, numa proporção injusta de centenas de vezes, quando comparado com o tempo “surfando de verdade”.

Cada pessoa experimenta o esporte de forma diferente, mas parece haver evidências de benefícios intangíveis em ser surfista: pisar no chão descalço (alguns estudiosos chamam de earthing) parece ter propriedades anti-oxidantes e metabólicas de rejuvenescimento, o contato com a água (Leonardo da Vinci chamava água do veículo primordial da natureza), interagir socialmente (embora nem sempre de forma amigável com surfistas locais), observar a ondulação sem visão de túnel, experimentar a imprevisibilidade de cada segundo dentro do oceano, entre outros.

Segundo o autor estoico contemporâneo Ryan Holiday, uma das maneiras mais importantes de se buscar a felicidade é estar no momento presente:

“é nos momentos quietos que sentimos o que importa na vida. É uma escassez desses momentos que dão origem à sensação de que não vivemos o suficiente, que temos que continuar”.

E cita Lao Tzu, fundador do Taoismo:

“A paz está no vazio. O vazio está no jejum da mente”.

Então os verdadeiros surfistas que enfrentam o sono e a falta de ondas diuturnamente, em lugares como a Praia do Futuro no Ceará, onde o mar é injusto e só os abençoa com três ou quatro dias bons no ano, não é em batidas e cutbacks onde está o segredo de ser surfista, mas na quietude de estar distante de todas as distrações do cotidiano moderno e, lá no outside, esperar pacientemente e ver a onda perfeita passar ao largo.

A quietude não é mera inatividade, mas a porta para o autodomínio, para a disciplina e para o foco.

Sigamos então surfistas, mesmo sem ondas, quietos, e focados no presente.

Referência:

The Surfer’s Secret to Happiness, de Ellis Avery (The New York Times)

A Quietude é a Chave, de Ryan Holiday

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