Um estoico é um budista com atitude – Nassim Nicholas Taleb

budismo

Ao escutar a entrevista com Phillip Moffitt no podcast Ten Percent Happier, fiquei impressionado com algumas similaridades que podemos traçar entre o Estoicismo e o Budismo. Aliás, uma das grandes vantagens, na minha opinião, de seguir os conceitos estoicos é que podemos ter filósofos que seguem o Estoicismo de campos políticos, religiosos e metafísicos diferentes, sem confronto de ideias.

Na entrevista, o ex-editor da revista Esquire fala sobre as quatro Nobre Verdades do Budismo. São elas:

  • A Realidade do Sofrimento (Dukkha);
  • A Realidade da Origem do Sofrimento (Samudaya);
  • A Realidade da Cessação do Sofrimento (Nirodha); e
  • A Realidade do Caminho (Magga) para a Cessação do Sofrimento.

Tenho receio de cometer algum erro ao falar sobre Budismo. Não sou expert algum em religião. Mas claro que há também diferenças entre as duas, sendo a principal que Budismo é uma religião e uma tradição cultural de mais de 2.500 anos, enquanto Estoicismo é uma escola filosófica secular muito limitada no tempo.

Dito isso, há verdades comuns às práticas. Em ambas, as tradições parecem buscar serenidade/equanimidade em situações que fogem ao controle de cada um. Ambas veem ignorância e raiva como problemas. Ambas são orientadas para a ética e para a justiça. E as duas buscam a prática da gentileza consigo mesmo e com as outras pessoas.

A realidade do sofrimento fala sobre que a vida é plena de perda, mudança, insatisfação. A segunda Nobre Verdade é que a origem do sofrimento é encontrada no desejo constante e na ansiedade. Ela remete ao conceito do Estoicismo que o sofrimento é fruto do desejo constante por prazer ou felicidade, frustrado pelo tempo ou habilidade. Para o estoico, entretanto, não há problema em desejar algo virtuoso, justo e correto, e o sofrimento é causado por desejo pelo que está fora do controle.

“Não é a pessoa que tem muito pouco, mas aquela que deseja sempre mais, que é pobre”

Sêneca

A Terceira Nobre Verdade é que o fim do sofrimento vem com a cessação do desejo ou avidez. Em contraponto com o Budismo, o Estoicismo na verdade aconselha desejar o que se tem (Amor Fati).

“Não pretendas que as coisas sejam como as desejas. Deseja-as como são”

Epicteto

A Quarta Nobre Verdade é para mim a mais difícil, por ser tão complexa. O caminho para acabar com a avidez e o desejo (e, portanto, o caminho para acabar com o sofrimento e a infelicidade) é seguir o Caminho Óctuplo:

  • Compreensão Correta (Samyag-drsti);
  • Pensamento Correto(Samyak-samkalpa);
  • Fala Correta (Samyag-vac);
  • Ação Correta (Samyak-karmanta);
  • Meio de Vida Correto (Samyag-ajiva);
  • Esforço Correto (Samyak-vyayama);
  • Atenção Correta (Samyak-smrti);
  • Concentração Correta (Samyak-samadhi).

Não poderíamos comentar todos os pontos em texto tão curto, mas muito do que se prega no Caminho tem a ver com o Estoicismo, inclusive o moderno.

As quatro virtudes Estoicas (Moderação, Justiça, Coragem e Sabedoria) defendem como se comportar, como ser empático, como agir corretamente com justiça etc. No final, as duas sabedorias tratam de como ser bom, e de que, para buscar a felicidade e plenitude, temos de agir de forma correta e humana.

“O estoicismo também não visa nos tornar ‘felizes, o que quer que isso signifique, mas o estado de eudaimon, isto é, capazes de viver a melhor vida que um ser humano pode viver. Isso equivale a praticar a virtude para ajudar os outros. Um produto colateral da prática estoica é a ataraxia, uma vida vivida sem perturbações”

Massimo Pigliucci

Por fim, deixo uma frase do filosofo Nassim Taleb, que escreveu:

“Um estoico é um budista com atitude. Esses detalhes começam com a forma como ambos os sistemas procuram reduzir o sofrimento, ajudando-nos a compreender melhor o mundo e como interagimos com ele”.

Referências e leitura recomendada:

Massimo Pigliuicci, How to Be a Stoic

Cartas de um Estoico, Volume I: Um guia para a Vida Feliz (Carta 2, “Sobre a falta de foco na literatura”)

Enchiridion

A arte de viver

4 Replies to “Um estoico é um budista com atitude – Nassim Nicholas Taleb”

  1. Muito bem escrito o texto. Sei mais do budismo do que estoicismo, e estou buscando descobrir mais deste por agora, nos últimos tempos. O Budismo já me ajudou muito no processo de autoconhecimento, e agora o estoicismo está sendo também de grande ajuda. Obg. É o primeiro texto que leio do blog e já adorei.

  2. Gostei do texto, mas não na totalidade. Novidade na internet, né?
    Gostei do texto principalmente pelo raciocínio bem construído, mas a parte no texto que diz sobre o desconhecimento do budismo também me pareceu interessante, por já explicar um pouco da parte que não gostei.

    Vamos ao primeiro erro: “budismo é religião”. Não. Não é. Budismo é filosofia, que pode ser relacionada a religião, mas o budismo e a prática budista não são religiões. Lembrando também que existem inúmeras interpretações, e me refiro aos preceitos básicos de Siddartha Gautama.
    Se pegarmos os conceitos de religião básicos de Cícero e Agostinho, há necessidade de uma divindade, o que não há no budismo.

    Sobre a cessação do sofrimento no budismo, entender como o cessar o desejo é uma interpretação extremamente literal. Cessar o desejo para o budista pode ser exatamente o cessar o desejo de Epicteto: parar de desejar aquilo que não se tem e contemplar aquilo que se tem. Inclusive, parte da natureza budista se encontra na contemplação. Contemplação e desejo são distintos, mas tem suas possíveis similaridades.
    Destarte, o budista que se encontra em um caminho tão focado em seguir os preceitos ao pé da letra entra em um paradoxo de desejar seguir o caminho com avidez desequilibrada.

    Sobre o aforismo do estoico ser um budista com atitude, me pareceu mais um julgamento de desconhecimento e com a vontade de se postar em um nível de superioridade, que inclusive vai contra a próprio estoicismo, de se preocupar demais com o alheio.

    Estoicismo e budismo basicamente são interpretações parecidas, mas geograficamente distantes, o que muda algumas visões. Mas os preceitos básicos são extremamente similares.

    Ah, apenas para fechar: o próprio Buda disse sobre a verdade do que ele disse não ser uma verdade imutável. O que abre, na prática, caminho para adaptações. E por que não a adaptação do caminho médio que o estoicismo propõe, frente aos desmazelos de alguns budistas que cometem os excessos das práticas budistas?

  3. Sou iniciante nos estudos do Budismo e Estoicismo. Gostei bastante do texto, bem como da contribuição do André Meira. Obrigado! Eu também vejo bastante semelhança entre ambas as filosofias. Entendo que os Estoicos desenvolveram bem seu pensamento (que gosto muito), mas faltou (até onde sei) o desenvolvimento de um bom “método” para o alcance dos objetivos. Enquanto o Budismo desenvolveu, ao longo de séculos, um “método”, principalmente pela meditação, cultivo da compaixão e ajuda ao próximo. O pensamento estoico ficou bem documentado nos textos escritos pelos respectivos filósofos, enquanto o pensamento budista original ficou prejudicado, pois Buda ou seus discípulos de primeira e segunda gerações não deixaram nada por escrito. Em decorrência existem diversas vertentes de budismo…

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